terça-feira, 24 de abril de 2018

BLINDADO LANÇA-CHAMAS FORÇA PÚBLICA DE SÃO PAULO 1931 – 1932

Um bizarro blindado de lagarta, todo cinza, pesando 4 toneladas se posiciona próximo à entrada de uma ponte na região de Cruzeiro, SP, ponte esta de madeira e devido ao seu peso era impossível transpo-la, junto a ele soldados paulista revolucionários, armados de fuzis e metralhadoras pesadas. Do outro lado do rio tropas do governo federal tentando ocupar essa estratégica ponte. No meio do avanço o blindado se coloca na extremidade da mesma e começou a “cuspir” fogo e disparar suas duas metralhadoras frontais, deixando em pânico a tropa invasora que imediatamente bateu em retirada pois os soldados o viam como algo demoníaco, principalmente nos combates noturnos.
Vista frontal do Blindado Lança-Chamas. Notar o lança-chamas na torre, o holofote no centro, abaixo a grade de refrigeração do motor e as duas metrallhadoras Hotckiss de 7mm.
Crédito da foto: Seção de periódicos, UFJF/Defesa 
      Este fato seu deu em plena Revolução Constitucionalista de 1932, a nossa maior guerra civil e a mais rica em desenvolvimento de veículos blindados, fruto da 1ª Guerra Mundial, ocorrida principalmente na frente ocidental entre 1914 e 1918.

          Naquele conflito surgiu uma nova arma, decisiva na vitória dos aliados, o “tanque de guerra” e um gama variada de veículos blindados, os quais irão influenciar o pensamento brasileiro tanto no Exército quanto nas Forças Públicas estaduais.
O criador do Blindado Lança-Chamas, Tenente da Força Pública de São Paulo, REYNALDO RAMOS DE SALDANHA DA GAMA (primeiro à esquerda), em 1931.
Crédito da foto: Seção de periódicos,
 UFJF/Defesa
“demônio cospe fogo”. Treinamento na cidade de Lorena, SP, em plena Revolução de 1932.
Crédito da foto: Seção de periódicos,
UFJF/Defesa

          O Blindado em questão fora concebido um ano antes da revolução, quando a Força Pública de São Paulo criou uma Seção de Carros de Assalto, sendo o primeiro veículo a ela incorporado. Esse blindado de lagartas, único, construído sobre chassi de trator agrícola Caterpillar provavelmente um da série Twenth Two, muito comum no Brasil nos anos 30, foi desenvolvido pelo Tenente Dr. Reynaldo Ramos de Saldanha da Gama, com o apoio da Escola Polytechnica. Construído em chapa de aço rebitada, com torre giratória, armado com um lança-chamas e ao redor de seu casco com quatro metralhadoras Hotchkiss de 7mm ele possuía uma aparência estranha em relação ao que já fora produzido em outros países. Foi denominado "BLINDADO LANÇA-CHAMAS".

          Era lento, baixo centro de gravidade, pouca mobilidade em terreno acidentado, impressionando muito mais pelo seu aspecto do que pela sua mobilidade e eficácia. No seu interior acomodavam-se seis pessoas, o motorista e cinco artilheiros num desconforto total, mas mesmo assim ele impressionava. Sua blindagem resistia a tiros de armas leves. Era transportado sobre a carroceria de um caminhão em distâncias mais longas. Estava ainda equipado com dois holofotes, um na frente e outro na traseira, o que possibilitava ações noturnas.

          Foi exaustivamente testado na região de Lorena, SP e operou num raio de ação próximo aquela cidade nos três meses em que durou a revolução, empregado com relativo sucesso.
Blindado Lança-Chamas e sua tripulação. Nesta foto existe uma pessoa a mais, provavelmente apenas incorporado para tirar esta fotografia.
Crédito da foto: Seção de periódicos,
UFJF/Defesa
Blindado Lança-Chamas sendo embarcado em um caminhão para ser levado à frente de combate.
Crédito da foto: Seção de periódicos, UFJF/Defesa
Trator Cartepillar Twenty Two similar ao que foi blindado e transformado em Lança-Chamas. Este trator encontra-se preservado no Museu Rodoviário de Paraibuna, RJ.
Crédito da foto: Coleção do autor
Vista lateral e parte interna da cabine de pilotagem.Notar as alavancas, painel de instrumento, suspensão e lagarta do trator similar ao que foi blindado. Museu Rodoviário de Paraibuna, RJ.
Crédito da foto: Coleção do autor

          Ele foi o mais leve dentre os seis construídos, pois quatro pesavam de 4 a 6 toneladas e o maior de todos que não chegou a ficar pronto pesava 11 toneladas, mas isto já e outra história.

          Vale ressaltar que Revolução Constitucionalista de 1932 revelou as deficiências do Exército em sua preparação para o combate. A Companhia de Carros de Assalto, criada em 1921 com tanques franceses, poderia ter aberto brechas rapidamente nas linhas paulistas, mas ela fora extinta em fevereiro de 1932, devido a precariedade dos veículos, e principalmente pelo fato de não ter conseguido motivar grande parte da oficialidade, ficando desta forma sem o entendimento necessário, o que viria alguns anos depois, muito embora os remanescentes daquela companhia atuaram nessa revolução, isoladamente. Os revoltosos também não souberam usar seus blindados, sua variedade era muito grande, dificultando em muito seu emprego e o apoio logístico em ambos os lados ainda era extremamente precário.
          Mas a revolução mostrou a importância destes engenhos, tanto sobre rodas como lagartas, embora a maioria tenha sido projetada sob a supervisão de antigos integrantes de exército estrangeiros (Húngaros, Alemães, Ingleses, Americanos, Romenos, Russos, Checos, etc.) que após a primeira guerra mundial haviam imigrados para o Brasil.
Vista traseira do Blindado Lança-Chamas. Reconstituição feita pelo autor na escala 1:35. Notar o holofote e as duas metralhadoras Hotchkiss de 7mm.
Crédito da foto: Coleção do autor
Reconstituição feita pelo autor na escala 1:35 do Trator Blindado Lança-Chamas.
Notar o soldado Constitucionalista, com fardamento completo ao lado do blindado.
Crédito da foto: Coleção do autor

          Estes engenhos não foram bem assimilados pelo Exército, que ao invés de estudá-los e ver sua viabilidade, simplesmente os destruíram, pois a ortodoxia dos cavalarianos que não acreditavam que seus cavalos pudessem ser substituídos por engenhos desta natureza ainda levaria muitos anos para ser definitivamente mudado no seu seio, ocorrendo posteriormente como fruto principal da Campanha Italiana na Abissínia no final dos anos 30 e culminando com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, onde os veículos blindados, tanto sobre rodas ou lagartas, demonstraram ser uma ferramenta importante para todos os conflitos futuros. e foram definitivamente aceitos e compreendidos por nós.
Desenho em quatro vistas elaborado por Gilson Maroco, mostrando o blindado Lança-Chamas. Exclusivo para o UFJF/Defesa

          A título de curiosidade, vale lembrar que o conceito de blindados equipados com lança-chamas foi largamente difundido por diversos exércitos ao longo da segunda guerra mundial, montados em plataformas blindadas mais sofisticadas e que foram decisivos, principalmente nos combates ocorridos na reconquista de diversas ilhas no pacífico pelos norte-americanos.

BIBLIOGRAFIA:
Andrade, Euclides. Camara, Helly F. A Força Pública de São Paulo, Esboço Histórico, 1831 – 1931. Sociedade Impressora Paulista, São Paulo, 1931;
Bastos, Expedito Carlos Stephani. Palestra Ascenção e Queda da Indústria de Material de Defesa no Brasil 1762 – 1992, in Academia da Força Aérea -AFA, Pirassununga, SP, 1992;
Bastos, Expedito Carlos Stephani. Palestra Principais Projetos de Blindados no Brasil, in Centro de Instrução de Blindados -General Walter Pires, Rio de Janeiro, RJ, em 03 de outubro de 2003.
Brussolo, Armando. Tudo pelo Brasil. Editorial Paulista, São Paulo, 1932;
Donato, Hernani. A Revolução de 1932. Círculo do Livro, Rio de Janeiro, 1982;
Morgan, Arthur. Os Engenheiros de São Paulo em 32. São Paulo, 1932;
Oliveira, Clóvis de. A Indústria e o Movimento Constitucionalista de 1932. C.F.I.S.P., São Paulo, 1956;
De Paula, Jeziel. 1932 – Imagens Construindo a História. Editora Unicamp/Unimep, 2ª tiragem, Campinas, 1999;
Sanders, Ralph W. Vintage Farm Tractors. Barnes & Noble Books, New York, 1996;
Silva, Herculano Carvalho e. A Revolução Constitucionalista. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1932;
Jornal A GAZETA, diversos números do ano de 1932;
Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, diversos números do ano de 1932.

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